peeps be advised: não me contive nos spoilers, se ainda não viram o filme, voltem cá mais tarde!
para ser honesta, apesar de ter sido um dos filmes mais aguardados do ano passado, não estava com grande pressa em vê-lo. primeiro porque a premissa do filme pareceu-me algo desinteressante, e segundo porque não vou à bola com o renner, e muito menos com o whitaker (ninguém o mandou aceitar entrar naquela piada de supremo mau gosto que é o battlefield earth, deixo-mo com uma bandeirola vermelha por cima da cabeça). não tinha a certeza que a adams sozinha tinha filme para mim.
eis que doze misteriosas cápsulas alienígenas surgem em pontos aleatórios do globo.
só que esta não é a típica invasão extra-terrestre que todos tememos, em que os ETs entram logo a matar, cheios de pressa para nos liquidar e começar a sacar os recursos naturais da terra. é que - sejamos realistas, porque raio estes moços se davam à chatice de percorrer milhões de km's se não fosse para deitar as mãos ao planeta? até a própria historia da civilização humana sugere este comportamento...
não.. estes ETs, apesar do aspecto assustador (a fazer lembrar polvos gigantes) parecem pacíficos, e são extremamente pacientes com os humanos. os militares suspeitam da agenda destes visitantes, mas apesar de terem o arsenal bélico pronto a ser utilizado contra eles, dão-lhes o beneficio de dúvida. são então criadas equipas especiais para tentar estabelecer uma forma de comunicação.
a personagem interpretada pela amy adams, louise banks, uma especialista em linguística, é recrutada pelos militares americanos, para a complexa tarefa de descodificar a língua dos alienígenas, e questioná-los sobre o motivo da visita. e já agora, impedir que rebente uma guerra mundial. coisa pouca :D
já vi muitos filmes do género, mas poucos abordam o tema da comunicação, quanto mais dedicar o filme *todo* a isso. normalmente os ETs são uns porreiros, e chegam cá já a saber falar inglês. ou usam aquele conveniente deus ex machina, comunicam por telepatia. e siga para bingo!
mas de facto, é uma questão é pertinente. uma civilização com origem noutro ponto qualquer do universo, vai ter características brutalmente diferentes das nossas. as barreiras não se resumem apenas à linguística, mas a T-U-D-O. se é que existe sequer entendimento possível..
em termos de acção, o filme anda perto do zero. é lento, emocional, cheio de silêncios dramáticos, muito técnico, e denso em detalhes - daqueles que não dá *mesmo* para desviar a atenção, se não perdemos o fio à meada. puxa muito pela nossa capacidade de interpretação, perspicácia, e leitura nas entre-linhas.
não há desfile de tecnologia futurista (as naves têm uma forma orgânica, nada tech-y), não há sequências de batalha, e muito menos fogo de artifício digital. os cenários e adereços são realistas, simples e enfadonhos, e guarda-roupa é básico. junte-se a isso a cinematografia, com aquele ambiente minimalista frio e escuro, envolta numa banda sonora que parece de outro mundo, misteriosa e inquietante, e temos um filme que foge completamente ao estereotipo dos filmes sobre invasões extraterrestres.
entretanto, algumas pessoas já aborrecidas de morte, começam a sair do cinema, a lamentar o dinheiro que gastaram nos bilhetes.
aquilo que me manteve colada ao assento, de olhos esgazeados no ecrã, a espumar do cérebro, não foi (apenas) a atmosfera do filme, nem as actuações, nem a música.. foram os conceitos que o filme invoca, alguns baseados em teorias e hipóteses que mais parecem saídos da ficção cientifica, mas existem e estão ao alcance da wikipédia, e as injecções de linguística de cair pró lado, ZOMG!! as nuances, truques e rasteiras da linguagem, que nem nos passa pela cabeça...
as revelações vão-se sucedendo, cada uma melhor que a anterior,
a primeira é que, ao contrario dos humanos, os ETs não falam da mesma forma como escrevem. a forma gráfica como escrevem é não-linear, sem direcção, sem principio nem fim, e levanta a questão: será assim que eles pensam?
além disso, a ideia da nossa escrita e fala serem redundantes, e que estamos a desperdiçar um segundo canal de comunicações é muito interessante.
entretanto a louise começa a ser atormentada por "alucinações", que ela não reconhece nem compreende, mas que nós, graças ao início do filme, já sabemos que são memórias sobre algo muito importante da vida dela. e tem um sonho bastante oportuno, sobre a teoria que diz que a língua que falamos determina a forma como pensamos, e afecta a forma como vemos tudo. e quando nos imergimos numa língua estrangeira, o cérebro é reprogramado para pensar de outra forma. só assim naquela de levantar a pontinha do véu para o que aí vem!
a segunda é que, os ETs vieram até à terra para nos oferecer uma "arma". e cada uma das doze cápsulas espalhadas pelo globo transmitiu uma parte dela, na críptica linguagem alienígena. se a humanidade quiser resolver o puzzle, vai ter que unir esforços. i see what you did there, joe alien lol
só que a complexidade da comunicação entre as duas espécies, leva a que as intenções dos ETs em "oferecer arma", sejam mal interpretadas, e uma guerra à escala global contra os invasores está para rebentar a qualquer momento. louise aproveita uma "visão" de como subir até à cápsula, agora estacionada a várias dezenas metros do solo, para avisar os ETs que correm perigo.
dentro do aquário dos polvos do espaço, louise fica a saber que um deles está a morrer, embora o outro não pareça muito afectado. ela pede ao gigantesco ser, que avise as outras cápsulas dos planos dos humanos, mas este diz-lhe que ela tem a "arma", para usá-la.. algo que a deixa super confusa. é então que ela finalmente pergunta o que é que eles vieram cá fazer. o joe alien informa-a que vieram ajudar os humanos, pois daqui a três mil anos vão precisar da nossa ajuda. ela, ainda engasgada com a informação de que estava na posse da "arma", fica completamente baralhada com a conversa do futuro.. quando o afável ET lhe diz que também ela consegue ver o futuro..
os flashbacks sobre vida dela que até então estávamos a ver, são na verdade flashforwards...
WHO-HO-HO-A... i like it. i like it A LOT!
aqui tive um vibe *tão* cloud atlas. uma salganhada de cenas que não fazem sentido, mas quando chega ao fim e temos a grande revelação, só não caímos de cu porque estamos sentados.
a terceira e última revelação é que, os ET’s não experienciam o tempo da mesma forma que nós, mas sim de forma não-linear, e conseguem ver o que está para vir. e que a "arma" que vieram oferecer é a sua língua, a chave para abrir o tempo, para que os humanos também consigam ver o futuro.
à medida que a louise foi dominando a linguagem deles, a sua percepção do tempo expandiu-se e ela ganhou consciência de todos os instantes da sua existência. os eventos que ainda estão para acontecer revelam-se de forma cristalina. deixou de ter passado e futuro. tudo acontece ao mesmo tempo...
isto é épico a tantos níveis!!!
e não tarda muito a dar uso à recém adquirida habilidade, com o general chinês.
o filme termina com a ela a aceitar o que o destino lhe reservou, apesar de saber que lhe espera tempos muito difíceis... e a nós também, com a quantidade de informação paradoxal que temos para digerir!
confesso que fiquei um bocado confusa com o conceito do tempo não-linear que o filme explorou. se por um lado passa a ideia que já está tudo determinado na nossa vida (se não, não era possível aceder a memórias de eventos que ainda estão muito distantes), por outro deixa implícito que podemos manipular o futuro.. andei dias a obcecar com isto, à procura que me fizesse sentido na cabeça. para mim, o mais lógico é, da mesma forma que não podemos mudar o passado, também não podermos mudar o futuro. além disso, jogo na liga daqueles que acreditam que a nossa vida e as nossas acções estão pré-determinadas, e não há nada que possamos fazer para fugir-lhes (e btw, não sou *de todo* religiosa). mas se deixar cair o conceito de passado e futuro, e ter apenas o presente, nesse caso consigo aceitar que seria possível manipular algumas coisas...
...se não, para que raio nos serviria a oferta dos polvos do espaço?
ainda não estou totalmente convencida, mas dou esta de bandeja.
só sei que esta história do tempo não-linear faz-me cócegas. desde que me conheço que embirro à brava com o momento presente, o passado e o futuro. estes "estados" sempre me fizeram uma confusão tremenda. como é óbvio, nunca cheguei a conclusão alguma.. talvez porque não há conclusão alguma para chegar. há umas quantas teorias sobre o tema, algumas delas sugerem que a malta devia estar sob o efeito de cenas fixes quando se lembrou delas :D
bom, para concluir, isto já vai longo e provavelmente muito desinteressante.. o arrival é um daqueles filmes de ficção cientifica inteligente, que faz uso de conceitos, teorias e hipóteses que nos metem a pensar, e a lamber páginas atrás de páginas, seja por mera curiosidade ou para aprofundar conhecimentos. mesmo sendo material tão denso, que no final ainda deixe mais questões do que aquelas que tínhamos antes. é o tipo de filme que divide opiniões, mas que entretém para lá da sala de cinema.
é soberbo a construir momentos de suspense, a narrativa é solida, e achei que o argumento joga (e muito bem) pelo seguro, ao dar apenas a informação essencial para transmitir as ideias, de forma muito clara para não dar margem a grandes dúvidas. apesar de um detalhe ou outro que achei mais confuso, não consigo criticar aspecto nenhum no filme, acho está muito próximo da perfeição.
e palmas para a amy adams, que foi brutal a dar-nos uma actuação deveras emocional. brilhou com uma série de emoções viscerais (desconforto, confusão, pânico, ansiedade, frustração), muito difíceis de fingir de forma convincente.
hats off!