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lost in wonderland

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Let's get grillin’ I

Agosto 12, 2019

quando regressei de férias, o seguro ainda não tinha dado luz verde porque o pedido seguiu com uma informação em falta, e teve que ser re-submetido. e assim se passou mais uma semana. estava bastante satisfeita que o verão tinha tirado férias aqui do pedaço, o que tornava aquela provação mais fácil de engolir. até que o cabrão se lembrou de aparecer...

...e chegou todo de uma só vez!

ah poizé, mas tu agora não podes apanhar sol filha, por isso esquece lá a praia. NÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOO... que castigo tão cruel, que piada tão podre, que mal fiz eu ao universo para ficar privada da altura do ano que mais gosto, PUTA QUE PARIUUUUUU!!!

21 sessões, todos os dias da semana, à mesma hora, durante o mês de agosto praticamente todo.

entretanto, comecei com a rotina dos hidratação. é recomendado (pelos fabricantes dos cremes lol) começarmos a aplicar creme hidratante uma semana ou duas antes do inicio da radioterapia. estava indecisa entre dois, o ureadin rx rd e o sativa m-tex, ambos específicos para pele irradiada. então comprei os dois e fui usando alternadamente, até chegar à conclusão que o sativa tava 10 a 5 no ureadin, e passei a usar apenas o sativa, que tinha que encomendar na farmácia sempre que terminava uma embalagem. muito baratinho, este creme. vou acreditar que faz milagres. três vezes ao dia. de manhã, imediatamente a seguir à sessão de radioterapia, e ao deitar.

na primeira sessão, a enfermeira deu-me uma bata descartável, com indicação para trazê-la todos os dias, para evitar desperdício. concordo muito com aquela medida. por mim, nem bata usava.. mas ninguém me queria meio desnuda a atravessar o corredor entre os vestiários e o bunker, que são tipo, 5 metros. bah!

a primeira sessão foi interessante. os meus olhinhos trataram de imprimir no cérebro todos os detalhes daquela sala refundida, protegida por uma porta estupidamente grossa. para além do acelerador linear [AL], que era um bocado diferente daqueles que tinha andado a ver em fotos e vídeos, haviam monitores, e câmeras, e maquinetas que emitam lasers pregadas ao tecto. em frente ao AL, e também pregado ao tecto, estava uma bisarma que apelidei de "máquina da CC" (capsule corporation) por causa o logotipo, que projectava uns gráficos muita marados no meu tórax. pelo que percebi, é um engenho que serve para parar a radiação imediatamente, caso o paciente se mexa.

foram 3 pessoas para dentro da sala comigo. fizeram-me uns rabiscos no peito, ajustaram aquela cangalhada toda ao milímetro, confirmaram tudo e um par de botas. e depois, uma das pessoas diz-me,

"agora vamos lá fora fazer umas contas. é preciso que não se mexa" e eu não me mexi. entretanto aquela história começa a rodar à minha volta, para um lado e para o outro, a ranger por todos os lados, parecia que se ia escangalhar toda em cima de mim. praí 3 minutos depois, aquela tropa toda regressa ao bunker.

“já está despachada!”

"já??" 

oi.. tão não iam só fazer contas e assim? tão levei logo uma dose de radiação, assim, a frio, e nem dei por nada? não pode! mas sim, aparentemente aquilo é muito rápido, e ainda passou ser mais rápido, porque na primeira sessão perdem algum tempo com ajustes e a rabiscar a pele, e nas seguintes não.

uma aplicação generosa de creme assim que chegava ao vestiário e tava feito. como sou despachada, nem 10 minutos perdia lá dentro, depois de ser chamada. a parte chata era ter as sessões durante a tarde. tinha que me meter no trânsito para ir do trabalho até ao hospital, e voltar novamente.

entretanto no final da primeira semana aconteceu um contratempo, e os tratamentos no hospital foram suspensos. mas como a malta que faz RT não pode interromper o tratamento, fomos reencaminhados para outros centros.

Radioterapia

Agosto 09, 2019

antes de fazer o relato da minha experiência na tostadeira humana, deixem-me falar um bocadinho sobre esta terapia, que é utilizada há mais de 100 anos para tratar tumores. então,

o que é a radioterapia?

é um tratamento local, que utiliza radiação para danificar as células cancerígenas.

divide-se em dois tipos: radioterapia externa e braquiterapia (radioterapia interna). cerca de metade dos doentes oncológicos são submetidos a este tratamento. uns como terapia adjuvante, outros como terapia única, outros como terapia paliativa. em algumas situações, a radioterapia é o único tratamento necessário.

na radioterapia externa, é utilizada radiação ionizante (tipo raios-x on steroids) gerada por uma máquina gigante chamada acelerador linear. é administrada a uma determinada distância, com o doente imobilizado, para evitar quaisquer movimentos involuntários que afectem a precisão do feixe. na braquiterapia, é colocada uma fonte radioactiva no interior do corpo, no local do tumor.

a radioterapia externa sujeita o paciente a uma rotina um bocado aborrecida, uma vez que a dose total de radiação é dividida em fracções, para ser administrada diariamente, ao longo de algumas semanas.

a quantidade de radiação é medida em grays (Gy), e a varia consoante a extensão da doença, as características do tumor, e o estado geral do doente. existem várias técnicas para aplicá-la. as mais avançadas, que abordam o tumor com maior precisão, são: 3D-CRT1, IMRT2, V-MAT3, IGRT4, SBRT5, IORT6 e gating respiratório7. a técnica a utilizar varia de acordo com cada caso clínico, e é decidida durante o plano de tratamento.

o serviço de radioterapia costuma ficar numa zona refundida do edifício. a sala onde a está o acelerador linear é conhecida por bunker, e tem um nível de protecção insano. a equipa deste serviço é composta por médicos especialistas em radioterapia, físicos médicos, dosimetristas, técnicos de radioterapia, e pessoal de enfermagem.

como é que a radioterapia funciona?

a radiação vai provocar pequenas quebras no ADN das células. as células cancerígenas crescem e dividem-se mais rapidamente que as células saudáveis, mas não têm capacidade de se regenerar. e quando são expostas à radiação, não conseguem reparar os estragos, acabando por morrer.

as células saudáveis que também são afectadas pela radiação, fazem o que é suposto: regeneram-se, e continuam o ciclo.

[a partir deste ponto, falo especificamente sobre radioterapia externa no cancro da mama]

porque é que preciso de fazer radioterapia?

a radioterapia serve para eliminar todas células cancerígenas que possam ter ficado para trás durante a cirurgia, aumentando substancialmente a sobrevida das doentes.

todas as doentes submetidas a cirurgia conservadora devem fazer radioterapia, devido ao risco de recidiva local, que pode acontecer mesmo que o tumor tenha sido totalmente removido e com margens limpas. as pacientes submetidas a mastectomia, poderão ter que fazer este tratamento, devido à possível invasão da pele, músculo, e gânglios linfáticos.

quando é que tenho que fazer este tratamento?

geralmente, inicia-se entre 4 a 6 semanas após a cirurgia.

fazer radioterapia dói?

não, se sente absolutamente nada. vá.. quanto muito, podemos ter uma ou outra sensação de picada, nada de especial mesmo. custa mais manter-nos imóveis na posição em que estamos deitadas, do que a parte da irradiação em si.

como é administrada?

estamos deitadas em cima de uma mesa, desnudas da cintura para cima, (in)comodamente instaladas numa estrutura chamada imobilizador, que mantém as costas ligeiramente inclinadas, os braços apoiados por cima da cabeça, e os joelhos levantados. entretanto a mesa move-se até à posição definida no plano de tratamento.

de seguida, os terapeutas ajustam a nossa posição ao milímetro. existem vários lasers projectados sobre nós, e os pontinhos que temos tatuados no tórax têm que estar muito bem alinhados com eles. esta parte costuma demorar mais tempo que a irradiação em si, é preciso uma certa paciência.

terminado o posicionamento, ficamos sozinhas na sala, e momentos depois, o acelerador linear move-se ao nosso redor. consoante a técnica que está a ser utilizada, pode demorar mais ou menos tempo, mas normalmente demora entre 5 a 10 minutos. (se não estivermos a fazer radioterapia com a técnica de inspiração máxima sustentada) podemos respirar normalmente, mas não podemos fazer nenhum movimento. mas se por acaso acontecer algum movimento involuntário, worry not, que existe um processo automático que interrompe o feixe de radiação imediatamente .

esta rotina repete-se todos os dias da semana, durante cerca de seis semanas.

vou ficar radioactiva após a sessão? 

não, porque a fonte de radiação não está no nosso corpo.

mas.. se radiação é cancerígena, o tratamento não me vai provocar cancro?

a radioterapia pode aumentar ligeiramente o risco de se desenvolver outro cancro, é um dos seus efeitos secundários. é um factor que pesa na avaliação de cada caso clínico, mas se os médicos recomendam este tratamento para o nosso caso, é porque o benefício supera os riscos.

que efeitos secundários posso esperar?

à medida que o tratamento avança, podemos começar a notar algumas alterações, na pele e na mama. a maioria resolve-se nas semanas seguintes após o tratamento terminar.

cerca de duas semanas após o inicio dos tratamentos, a pele na zona irradiada pode começar a ficar avermelhada, com aspecto de queimadura solar. ao mesmo tempo fica sensível e seca, e pode dar comichão. mais para a frente, podem começar a surgir bolhas ou a pele começar a descamar. o pêlo cai e deixa de crescer. é provável que a pele escureça na zona irradiada. 

a mama pode sofrer algumas alterações físicas. os danos causados pela radiação nos vasos linfáticos pode dificultar a circulação linfática e provocar acumulação de liquido nos tecidos (linfedema), e a mama incha. pode ganhar firmeza, porque o tecido pode endurecer e perder alguma elasticidade (fibrose). e porque a radiação pode fazer com que o tecido mamário se contraia, pode ficar mais pequena.

se tivemos feito radiação nos gânglios axiliares, podemos desenvolver linfedema no braço, que pode limitar o movimento das articulações.

fadiga é um efeito secundário que costuma estar associado, mas é mais devido à penosa rotina, do que o tratamento em si.

a longo termo podem surgir problemas nos pulmões, coração, ossos, nervos, ou até cancro. importa mencionar que as técnicas utilizadas actualmente limitam bastante a exposição de radiação dos orgãos vizinhos. o resto, é uma questão de mantermos vigilância activa.

[ nota: se alguém entendido na matéria ter tropeçado nalguma informação errada, pedia o enorme favor de me corrigir. thanks in advance! ]


 

1 3D-CRT (radioterapia conformacional 3D), esta técnica molda o feixe de radiação à forma do tumor, para fornecer uma distribuição de dose com a forma do tumor, poupando os tecidos circundantes.

2 IMRT (radioterapia de intensidade modulada), é uma técnica avançada de 3D-CRT, em que o feixe de radiação é dividido em pequenos segmentos com intensidades variáveis, poupando ainda mais tecido em redor. pode necessitar de planeamento adicional no inicio de cada sessão, que pode tornar os tratamentos mais demorados.

3 VMAT, arcoterapia volumétrica modulada, é uma técnica avançada de IMRT, que para além de distribuir a dose com o formato do tumor, e utilizar múltiplos feixes com intensidades variáveis, mantém uma rotação contínua (arco) à volta do doente, diminuindo a duração do tratamento.

4 IGRT (radioterapia de imagem guiada), outra técnica avançada de 3D-CRT, que recolhe imagens antes do início de cada dose de radiação, para o técnico verificar a posição dos orgãos e do tumor, e se necessário fazer ajustes à trajectória do feixe, para aumentar a precisão.

5 SBRT (radioterapia estereotáxica), é uma técnica utilizada no tratamento de pequenos tumores, geralmente em locais pouco acessíveis. a dose total é menos fraccionada, e o doente recebe uma dose mais concentrada de radiação em cada sessão.

6 IORT (radioterapia intra-operatória), técnica que consiste numa dose única e elevada de radiação, administrada durante a cirurgia.

7 gating respiratório, técnica em que a radiação apenas é emitida durante uma fase do ciclo respiratório do doente, quando o tumor se encontra na posição pretendida para a irradiação.

Planeamento complexo

Julho 11, 2019

depois da consulta de radioterapia, caiu-me no email a marcação de uma consulta com este nome curioso, aquele onde nos tatuam uns pontinhos no peito. não fazia a mínima ideia o que vinha dali, mas foi interessante.

trata-se do planeamento do local exacto a irradiar, e é conduzido por um técnico de radioterapia. é um procedimento bastante minucioso, que pode ser demorado. o meu durou cerca de uma hora.

no centro da sala está uma máquina de tomografia computorizada1 [TC] toda kitada. na mesa, está instalado o imobilizador, uma geringonça com um ar um bocado desconfortável (aka breast board, não faço ideia como se chama em português), que serve para nos posicionar, e manter imobilizadas durante o tratamento.

durante o planeamento temos que ficar imóveis durante montes de tempo. tanto que pode começar a ser desconfortável.

é uma cena ultra personalizada. primeiro fazemos uma TC, que gera uma imagem tridimensional do nosso tórax, onde o técnico consegue ver onde está o clip que foi colocado durante a cirurgia, no local do tumor, e os órgãos (coração, pulmões, etc), e a partir daí é feita uma simulação do feixe de radiação, para orientá-lo de modo a poupar os órgãos vizinhos o máximo possível.

quando o cancro foi na mama esquerda, devido à posição demasiado próxima coração deste lado do peito, podemos ter que fazer o teste da inspiração máxima sustentada2, para ver se beneficiamos desta técnica. o meu planeamento incluiu este teste. tive que usar uns óculos que tinham um nível, e tinha que encher os pulmões até aquele nível, e depois tinha que suster a respiração durante o máximo tempo possível. entretanto, a máquina ia tirando TCs dos vários níveis que tive que testar.

depois com a ajuda de muita tecnologia, lasers e whatnot, o técnico definiu as coordenadas, e marcou-as na pele, de forma permanente. mais um recuerdo daquela salganhada toda.

o computador também regista a posição da mesa, para ajudar os técnicos a nos posicionarem mais rapidamente nas sessões de RT. no início ou no fim do planeamento, tiram-nos uma foto, que é adicionada à nossa ficha, para o pessoal médico certificar-se que está a tratar a pessoa certa.

o técnico que me calhou era um prato, aquilo foi alta galhofa. durante a marcação dos pontos, disse-lhe que queria aquilo bem feitinho, pois era a minha primeira tatuagem. levei um ponto a menos, porque tinha um sinal no local a sarapintar.

no fim, cravei umas informações, que tava preocupada / curiosa com a proximidade do coração ao feixe de radiação, e ele mostrou-me no PC o que tinha estado a fazer, onde estava o meu coração e os pulmões, e onde o feixe ia trespassar. fiquei aliviada por constatar que o coração estava ali rés-vés, iria apanhar alguma radiação, mas seria mínima.

longe nos nossos narizes, os físicos médicos e dosimetristas3, escolhem a técnica que melhor se adapta ao nosso caso, definem a quantidade radiação que vamos receber, o número de sessões, e dose por sessão.

agora faltava o seguro aprovar aquela estalada. mas entretanto, fuck dat shit, vou de férias!


 

1 tomografia computorizada, anteriormente conhecida por tomografia axial computorizada (TAC), cuja designação caiu em desuso quando a tecnologia e funcionamento das máquina de tomografia mudou

inspiração máxima sustentada é uma técnica que consiste em encher os pulmões de ar, e mantê-lo durante pelo menos 20 segundos. pode ser utilizada quando a radiação é administrada na mama esquerda. o objectivo é aumentar o espaço entre o coração e o feixe de radiação, para baixar o risco de lesão cardíaca.

3 dosimetrista é um técnico que trabalha em colaboração com os físicos e os radioterapeutas. tem conhecimento das características das máquinas, equipamentos, e técnicas de radioterapia. as suas funções incluem realizar planeamentos, determinar a técnica de administração da radiação, assim como auxiliar o médico e físico de radioterapia no calculo e distribuição das doses. 

 

Consulta de Radioterapia

Julho 03, 2019

não tinha menos dúvidas com a radioterapia [RT], do que com a hormonoterapia, pois também li e vi umas coisinhas menos agradáveis sobre este tratamento. a consulta decorreu nas calmas e durou montes de tempo.

mais uma vez massacrei a médica com perguntas e dúvidas, salpicadas com doses generosas de piadas. não tenho problemas nenhuns que as pessoas fiquem a pensar que tenho um parafuso desapertado. 

a médica explicou-me para que serve este tratamento, porque é que preciso dele, como é administrado, e como é feito o acompanhamento. explicou-me os possíveis efeitos secundários, e como é que a pele costuma reagir à radiação,

  • esperar uma queimadura tipo escaldão, e possível irritação da pele (radiodermatite)
  • descoloração da pele
  • o pêlo na zona irradiada cair
  • poderia sentir algum cansaço com o avançar das sessões

mas para mim, a parte que mais me interessava daquela conversa toda era… os CREMES!!

quero a minha pele bem tratadinha durante esta história toda. o que é que posso usar, o que é que não posso usar. tinha andado a ler TUDO sobre cremes, já tinha a minha lista, e queria afiná-la. acontece que a médica era liberal quanto à minha escolha de creme hidratante, apenas fez algumas advertências:

  • só não podia usar um creme com metais pesados na sua composição (tipo o halibut, que tem óxido de zinco), de resto podia usar qualquer um
  • que não besuntasse creme nas três horas antes da sessão de RT
  • nada de depilar a axila, nem usar desodorizantes e anti-transpirantes (por causa dos metais)

caso a pele começasse a empolar e a ficar com mau aspecto, seria necessário uma pomada especifica, com cortisona. mas até lá, não nos vamos preocupar com isso.

quando o assunto é radioterapia, a pele acaba por ser a principal preocupação, porque a queimadura é o efeito mais visível, mas também porque causa um *certo* desconforto, e pode até ser doloroso. é preciso ter alguns cuidados,

  • evitar roupa justa, para não causar fricção na pele, usar antes blusas largas
  • tomar banho com água morna
  • no banho, utilizar um gel suave, sem sabão, e nada de coisas abrasivas, tipo esponjas e poufs
  • deixar a pele secar ao ar, ou apenas passar a toalha levemente
  • é completamente proibido coçar
  • evitar dormir sobre o lado irradiado

perguntei se podia ter um pote de gel de aloé vera no frigorífico, para aliviar-me, caso sentisse a pele a arder, e ficar maluca com a comichão. podia.

porque a minha segunda grande preocupação era saber se podia ir à praia, fiz várias perguntas neste departamento. as recomendações foram,

  • nada de apanhar sol na área irradiada, e usar um chapéu de aba larga ou um lenço no pescoço quando saísse à rua. sol, só depois de ter passado um ano, até lá, evitar.. iria ter que pensar em soluções para as férias
  • meter protector solar, mesmo que vestisse uma t-shirt
  • se tomasse banho no mar (devidamente protegida), evitar molhar a zona do peito, por dois motivos, primeiro porque o salitre podia ser irritante para a pele, segundo, não podia apagar os rabiscos para guiar os técnicos durante a RT.

perguntei ainda se me deveria preocupar com pneumonite por radiação, ao que ela respondeu que as técnicas utilizadas actualmente limitam bastante a exposição dos pulmões à radiação, mas que uns meses depois do tratamento, iríamos inspeccionar os pulmões.

verão.. sem depilar o sovaco, nem poder usar anti-transpirante.. tasse! o copo meio cheio, é que a radioterapia ia fazer o pêlame cair (zomg, fiz uma piada GENIAL com isto, deixei uma técnica de RT de incrédula a olhar para mim, até que se apercebeu que eu tava brincar).

Tamoxifeno

Julho 01, 2019

senhoras (e senhores também), se vos calhou na lotaria um cancro da mama com receptores hormonais1 positivos (ER+ e PR+), quando chegarem ao oncologista, é quase 100% garantido que o tamoxifeno vai estar em cima da mesa. existem outros, mas este é o medicamento de eleição para a hormonoterapia.

o tamoxifeno é uma droga estudada há mais de 40 anos como tratamento adjuvante do cancro da mama (e não só), e a mais utilizada nos últimos 30 anos no tratamento e prevenção da doença. a boa notícia é que tem provas dadas na redução de recidivas, e no aumento da sobrevida das pacientes. a má notícia é que provoca uns efeitos secundários um bocado merdosos...

tem uma história algo curiosa. começou por ser investigada como contraceptivo de emergência. só que durante os ensaios clínicos, descobriram que em vez de suprimir a ovulação, estimulava-a! o efeito exactamente oposto ao pretendido... podia ter morrido na praia, se em paralelo, não estivesse também a ser avaliada como terapia para cancro hormonodependente2. e foi assim, que de pílula do dia seguinte falhada, passou a tratamento de fertilidade e tratamento paliativo no cancro da mama, até se tornar na terapia hormonal padrão no cancro da mama. existe um artigo que conta a sua história em grande detalhe, e que também ajuda a perceber que a investigação farmacêutica não é uma coisa assim tão básica quanto a malta julga.

mas ao que interessa. o tamoxifeno é um modulador selectivo do receptor de estrogénio [MSRE], que é como quem diz, "imita" a acção do estrógenio no corpo. 

o estrogénio é uma hormona que está envolvida num vasto número de processos (em especial nas mulheres), e é essencial para o desenvolvimento e manutenção de vários tipos de tecidos. tecidos esses, que têm níveis diferentes de sensibilidade ao estrógenio, e de acordo com essa sensibilidade, o MSRE vai inibir ou estimular uma acção semelhante à do estrogénio.

as células cancerígenas que necessitam dessa hormona para se desenvolver, quando se agarram a este estrogénio farsola, estão tramadas. é assim que o tamoxifeno ajuda a reduzir o risco do cancro voltar, matando as desgraçadas à fome. dependendo do nosso caso, temos que tomá-lo diariamente, durante 5 ou 10 anos.

mas porque é uma terapia sistémica3, não afecta somente as células cancerígenas - mas todas as células do corpo cujos processos dependem do estrogénio, actuando numas como anti-estrogénio, e noutras como estrogénio, e a sua falta ou excesso, provoca uma torrente de efeitos indesejáveis... basicamente (se não estivermos lá) atira-nos para uma espécie de menopausa. e está listado no grupo 1 dos agentes cancerígenos para humanos, porque pode provocar... guess what? cancro!

anywhoo, 

eu, que tinha ataques de pânico quando me punha a pensar na menopausa, saber que viria uns 10 anos mais cedo do que estava a contar com ela, foi assim um pontapé na tromba. eriçava-me toda quando ouvia um médico a pronunciar aquela palavra na minha direcção, nem conseguia pensar naquilo. mas pronto, atirei a toalha ao chão e fui fazer aquilo que sei fazer melhor - ir à internet educar-me. quis aprender tudo o que há para saber sobre este medicamento, para tomar uma decisão consentida. é lógico que comecei pelos efeitos secundários!

então, para além daqueles mais frequentes,

  • afrontamentos
  • suores nocturnos
  • alterações na menstruação
  • secura ou corrimento vaginal
  • dores de cabeça
  • náuseas e vómitos
  • retenção de líquidos
  • erupção cutânea
  • fadiga
  • enfraquecimento e/ou queda do cabelo


também há quem se queixe de,

  • insónias
  • tonturas
  • perturbações da visão
  • dores musculares
  • dores nas articulações
  • obstipação
  • incontinência
  • alterações de humor
  • depressão


e mais raramente é responsável por,

  • fibromas uterinos
  • cancro no endométrio
  • trombose venosa profunda
  • embolismo pulmonar
  • alterações hepáticas


HA HA HA HA tão bom... NOT!!

(quando se opta por tomar, para além das análises ao sangue, há um exame que entra na rotina anual, a ecografia pélvica. eu já a fazia todos os anos, por isso não é novidade, é só menos um exame que tenho que pedinchar)

há quem tome, e não note grandes efeitos secundários. há quem tome, e aguente os efeitos secundários à bronca. há quem desiste de tomar, porque não suporta os efeitos secundários. há quem não tome, e opte por vigilância activa. mais uma vez, o importante é que estejamos perfeitamente informadas e esclarecidas sobre este medicamento, e medir bem o rácio do beneficio/riscos. li muitas experiências, sobretudo más, mas não me deixei intimidar pela má fama generalizada que o tamoxifeno tem. 

tenho alguns efeitos secundários daquela lista. uns são.. interessantes, outros, nem por isso. mas é tema para outro post :D

importa registar que completo hoje o primeiro ano, YAY!
four more to go, YAAAY!

mais informação sobre o tamoxifeno, em português / inglês


 

1 receptores hormonais são um tipo de proteínas que existem nas células, que podem ligar-se a certas substâncias no sangue. é com base na presença ou ausência desses receptores, que o cancro da mama recebe a designação de "receptor de estrogéneo (ER) / progesterona" (PR) positivo (+) ou negativo (-). conhecer o status dos receptores hormonais é importante para decidir as opções de tratamento. 

2 cancro hormonodependente é um sub-tipo de cancro com receptores de estrogéneo e progesterona positivos, e cujas células dependem dessas hormonas para crescer e multiplicar-se.

3 terapia sistémica é um tipo de tratamento cujas substâncias utilizadas viajam pela corrente sanguínea, chegando e afectando células pelo corpo todo.

 A consulta de oncologia

Junho 28, 2019

só o nome arrepia, mas a verdade é que nesta altura, já nada faz mossa. é só mais uma.

estive uma hora e meia à espera da minha consulta. momentos antes de ser chamada, saiu alguém do gabinete da médica, que deve ter recebido uma notícia muito má... uma pessoa fica sem palavras perante aquele desespero. uma lição valiosa que aprendi nestes dias:

nunca, nunca, nunca rezingar porque a consulta está atrasada, alguém numa situação MUITO mais grave que a nossa pode estar necessitado da atenção do médico, e naquele momento o médico é o nosso farol.

hormonoterapia era o motivo da minha consulta. como tinha sugado quantidades massivas de informação sobre esta história, estava carregada de dúvidas. tinha comigo uma listinha de perguntas, não me fosse esquecer de alguma.

devo ter causado uma rica impressão lol. tipo, olhem-me só esta gaja, chata c’ma potassa a fazer perguntas pelos cotovelos muhahah anyway, a médica parecia ter muito boa disposição, e não parecia muito chocada com as minhas piadolas. menos mal. quis certificar-me das coisas duas, três, quatro vezes, e ela, com uma paciência do tamanho do universo, ia respondendo à saraivada de perguntas de uma forma bastante assertiva e clara, nada de rodeios. amei a frontalidade e o trato fácil da médica.

a verdade é que estamos a falar de tomar um comprimido todos os dias, durante cinco anos, e que tem uma série de efeitos secundários pouco agradáveis. não é uma coisa que se encare de ânimo leve...

mas no final decidi que sim, que ia dar uma oportunidade à hormonoterapia (terapia hormonal, whatevs). na verdade, não consegui arranjar argumentos racionais que me levassem a recusar. sou nova, e ter tido CDIS aumenta-me as probabilidades de voltar a ter CDIS ou CDI na mesma mama ou na outra, não queria que esta história me voltasse a chatear tão cedo. não basta já a radioterapia a abrir-me a porta para possíveis encrencas a longo prazo... 

mas ficou logo ali escrito na pedra, que caso os efeitos secundários se tornassem insuportáveis, teríamos que rever a estratégia. tudo bem. e sai de lá com prescrição para um ano inteiro, PQP!

no dia seguinte ao deitar, tomei o primeiro dos 1826 comprimidos, a pedir aos deuses para que a droga fosse branda comigo. e já agora, que honrasse o esforço que ia a fazer.

btw, se o nosso médico oncologista é da opinião que devemos fazer a terapia hormonal, não é por dá cá aquela palha. estamos a falar de um profissional de saúde altamente especializado, que sabe imensamente mais do que nós, e do que qualquer merda que possamos ler na net. não só estudou milhares de horas, como certamente já viu milhares de casos, e não! não está a encher bolsos a farmacêutica nenhuma (até porque a patente já expirou, e pelo menos cá, só há genéricos), é mesmo para o nosso próprio bem. esta pessoa analisou o nosso caso, falou com os nossos médicos, avaliou os benefícios versus riscos.. não é o mesmo que passar ben-u-ron para tratar de uma gripe.

claro que a escolha final é sempre nossa, e ninguém nos obriga a tomar nada. mas que esta seja uma escolha muito bem informada, e que estejamos perfeitamente conscientes dos benefícios e dos riscos que existem entre tomar e não tomar.

Carcinoma Ductal In Situ

Junho 21, 2019

eis o nome do bicho que me calhou na rifa.

o carcinoma ductal in situ [CDIS] é um conjunto de células cancerígenas confinadas ao interior dos ductos (os canais que transportam o leite entre os lóbulos e o mamilo). estão lá aconchegadinhas, a fazer a sua vidinha, mas ainda não desenvolveram a capacidade de se infiltrar nos tecidos circundantes. por isso, é considerado como uma lesão não-invasiva ou pré-invasiva, o estádio 0, numa escala que vai até ao VI.

a boa notícia é que, para se tornar invasivo (e causar estragos a sério), este tipo de cancro ainda precisa de sofrer a mutação que lhe permite deixar o seu meio e conseguir desenvolver-se noutro.

a má notícia é que, ainda não se descobriu qual é o mecanismo que está envolvido nessa mutação, e não se consegue prever a sua evolução. pode ser sempre uma lesão não-invasiva, como de um momento para o outro, pode tornar-se invasiva.

e por causa disto, existe muita controvérsia e discussão à volta desta doença. porque a ciência médica sabe que muitos cancros de mama invasivos (ou infiltrantes) [CDI] originaram de um CDIS, os médicos abordam este tipo cancro de forma pro-activa, ainda que sujeitando parte das doentes a tratamentos desnecessários [sobre-tratamento].

acredito que seja um diagnóstico ingrato para um médico. por um lado pode estar a submeter a paciente a tratamentos em excesso, e arriscar outros problemas no futuro; por outro, ao poupar a paciente a esses tratamentos, pode arriscar outros muito mais agressivos no futuro.

quanto a mim, tenho a dizer que fico aliviada por os médicos abordarem o CDIS com seriedade e partirem logo prá acção. não é que não compreenda a questão do sobre-tratamento, que compreendo sim senhora, inclusive as mulheres diagnosticadas com CDIS que optem pela vigilância activa, ou que decidam apenas fazer a cirurgia, compreendo e respeito - cada um sabe o que é melhor para si. mas se me tivessem perguntado se preferia uma abordagem conservadora, tipo ir controlando a evolução do bicho, a minha resposta seria obviamente,

"NEM PENSAR! quero isto fora, e quero isto fora, JÁ!!"

agora, "ah não, que maçada fazer uma operação, mais esses tratamentos todos, que ainda me vão por doente mazé. vamos esperar para ver o que acontece". e numa mamografia anos mais tarde, o médico dizer "olhe miga isto a modos que cresceu e não está com bom aspecto, tem que levar ordem de despejo". e uma cirurgia que podia ter sido uma tumorectomia1, torna-se numa mastectomia2. e vai-se a tirar e já é um carcinoma invasivo. e vais ter que gramar com uns quantos ciclos de quimioterapia, para jogar pelo seguro. e retiram-te um ou mais gânglios axilares, mesmo arriscando problemas de mobilidade no braço para o resto da vida, para se certificarem se ele por acaso não começou já a enviar tropas para explorar o resto do território. e anos mais tarde, aparece-te uma "mancha" no fígado (ou nos pulmões, ou nos ossos, ou no cérebro) porque umas células sacanas escaparam à razia dos químicos todos que te andaste a encharcar e agora, olha, cancro secundário da mama no fígado, estádio IV, e uma grande probabilidade de tratamentos chatos para o resto da vida... vade retro!

se tenho uma possível bomba relógio dentro do corpo, não quero saber de esperar.. tenho 38 anos, for fuck sake, por enquanto é só cirurgia conservadora, radioterapia, e hormonoterapia. um passeio no parque comparado com os outros tratamentos...

informação detalhada sobre o CDIS (inglês)


 

1 tumorectomia é a cirurgia conservadora da mama. o cirurgião remove apenas o tumor, e algum de tecido saudável em redor (margens). podem também ser removidos os gânglios linfáticos axilares, para ver se as células cancerígenas já entraram no sistema linfático.

2 mastectomia é a cirurgia que remove todo o tecido mamário. existem vários tipos de mastectomias, que poupam mais ou menos tecidos (pele, mamilo,gânglios linfáticos axilares). o procedimento é feito de acordo com as características do tumor, ou como medida de profilaxia.  

Pós-operatório

Junho 14, 2019

por estes dias descobri que já conseguia ler sobre o o tema do cancro sem ter ataques de pânico. das duas uma, ou a medicação para a ansiedade já começou a funcionar, ou então já estou a ficar tão familiarizada com a coisa, que deixou de me fazer confusão...

...e ZOMG, VINDE A MIM GOOGLE!!

durante os cinco dias de recobro em casa não fiz outra coisa que não fosse ler. li sobre tudo e todos os aspectos da doença. devorei sites, fóruns, blogs, estudos, publicações científicas, you name it. o homem costuma dizer que nesses dias, aspirei a internet. duas vezes muhahahaha

ganhei um respeito colossal por esta doença, mas sobretudo pelas pessoas que a tratam e investigam. e também comecei a aperceber-me que existe uma tremenda desinformação e ignorância em todas as vertentes, onde eu me incluía.. e isso não pode ser!! é um universo gigante, há tanta coisa envolvida, que chega a ser difícil escolher uma ponta por onde lhe pegar.

e porque tinha lido tanto, estava cheia de dúvidas. e como a minha memória não andava grande coisa (cabrão do PTSD1), meti-me a fazer listas de perguntas.. listas gloriosas. a paciência que os médicos têm que ter para a minha pessoa..

por estes dias tive uma consulta com o psiquiatra. o médico custava-lhe a acreditar que eu estivesse tão bem disposta dois dias depois da cirurgia, e quis certificar-se se as drogas não estariam a ter algum efeito manhoso em mim. tive que lhe assegurar que estar assim histérica ao de leve é um dos meus estados normais... ok, talvez tivesse um bocadinho excitada a mais que a conta, mas foda-se, tava tudo a correr super bem, tinha mais era que estar feliz da vida, né!?

os pontos foram tirados em duas levas, e de forma alternada. a primeira metade ao fim de oito dias, e a segunda metade, 4 dias a seguir. a parte mais fixe foi eu ter conseguido assistir ao processo, sem ter desmaiado!!! a sério, tirei selfies e tudo loll

o cirurgião plástico veio ao gabinete de enfermagem ver o estado da coisa, e dar instruções à enfermeira sobre a remoção dos pontos. aproveitou para avisar-me que não podia, de maneira alguma, apanhar sol na mama, por causa da cicatriz e do hematoma gigante causado pelas mexidelas lá dentro, para a pele não ficar escura. eu comecei-me a lamentar, que não era nada justo e pa-ta-ti, pá-tá-tá (no gozo, claro). mal ele se retirou, já com a enfermeira a cortar fio, fiz uma piada sobre o não poder apanhar sol, mas ir fazer radiação já era na boa, e a enfermeira começou a estremecer por causa das risadas, e teve que interromper a tarefa, não fosse cortar-me acidentalmente. a pena que eu tenho de não me lembrar ao certo da piada. foi tão boa!

no dia seguinte a ter tirado a segunda metade dos pontos, fui-me enfiar no concerto de LCD soundsystem, que estava a rebentar pelas costuras. passei duas horas com os braços cruzados sobre o peito, a servirem de escudo, para não levar alguma cacetada que me desse cabo do serviço.

duas semanas depois da cirurgia tive consulta de follow up de senologia. desta vez não levei o homem atrás, que não deixamos as pessoas trabalhar em condições, com as piadas parvas que estamos sempre a fazer. entre uma porrada de dúvidas e perguntas, mais ter que batalhar arduamente pelas minhas férias, que já estavam marcadas e pagas, e a médica não me queria deixar ir, passou-me a cartinha para a radioterapia, e encaminhou-me para a consulta de oncologia. também prescreveu consultas e exames para dali a uns meses.


 

PTSD (perturbação de stress pós-traumático) é um transtorno de ansiedade, que pode surgir como resposta a uma situação de risco de vida ou trauma grave. está geralmente associado a situações de guerra, acidentes, desastres naturais, ou ataques físicos. um estudo recente sugere que 1 em cada 5 doentes oncológicos também manifestam PTSD.

os sintomas podem incluir: ansiedade persistente, perturbações de humor, pensamentos recorrentes e intrusivos, sentimentos de culpa, insónias, pesadelos, dificuldades de concentração, problemas de memória, perda de apetite, perda de interesse em actividades e na vida social, tristeza ou depressão.
ler mais sobre PTSD e cancro aqui  e aqui (inglês)

Shit just got real

Junho 06, 2019

mandaram-me fazer o internamento no dia anterior à cirurgia, porque tinha que meter o arpão logo às 8 da manhã, e não podiam haver atrasos. então nesse dia, às oito da noite, lá estava eu, bem mandada, a fazer check in no hospital, acompanhada pela mãe, a sis, e o homem. se calhar estava um nadinha excitada com aquela história toda, mas.. OPÁ!! era a minha primeira experiência de internamento, era compreensível.

entretanto vieram buscar-me, e subimos todos até às minhas instalações designadas. quartinho só para mim, super confortável, vista fixe, casa de banho privada. já tive alojada em hotéis bem piores. de vez em quando aparecia uma enfermeira como uma qualquer tarefa, depois apareceu o jantar, e por volta das dez da noite, a minha tropa retirou-se para ir jantar também.

depois de jantada, acomodei-me confortavelmente na cama, e dividi-me entre trollanço pelo whatsapp e fazer zapping na tv. acabei a noite a trocar mensagens com uma colega, a tecer comentários sobre o programa dos nus, que estava a passar na sic radical lol

no dia seguinte, às 7h45, depois do banho tomado e vestida de acordo com o dress code que a ocasião requer, fui rebocada na minha rica caminha até onde? isso mesmo, ao gabinete da mamografia.

arpão1, yey.. as histórias de terror que li sobre isto.. tão bora lá, nesta altura já estava a sentir-me uma experiência científica, não havia nada que me incomodasse. tudo a que tenho direito, né?

a médica que me colocou o arpão (ou melhor, arpões, que foram dois) era impecável e super bem disposta, mesmo àquela hora cruel. as piadas saiam de rajada e sem filtro. tipo, que aquele procedimento tinha um nome apropriado, afinal iam à pesca dentro da minha mama, ou por ter dois arames espetados na mama, ou com a radiação da máquina. a médica também contava umas histórias interessantes. depois, estava sempre a tentar ver o que estavam a fazer, e fazia as perguntas e os comentários mais parvos que me conseguia lembrar. era uma galhofa naquele gabinete que só visto, toda a gente se ria.

eu não levo nada na vida a sério, porque é que haveria de levar isto a sério?

aquele procedimento, apesar de parecer um bocado medieval, também é interessante q.b. começaram por colar-me uns chumbinhos no peito, para ajudar ao posicionamento dos fios. talvez porque a anestesia local não pegou logo, a primeira picadela da agulha por onde o fio é introduzido doeu, mas nada que uma dose extra de anestesia não resolvesse em segundos. depois a mama é caçada no mamógrafo, e o fio metálico é orientado até local certo por estereotaxia2.

por esta altura, eu e o mamógrafo já éramos como unha e carne. era a 5ª vez no espaço de um mês que tinha contacto íntimo com ele. há casais que pinam menos que isso!

o número acumulado de disparos? over 9000!

não senti nada durante a colocação dos fios, e também não achei que fosse um bicho de sete cabeças.. ainda que, vá! ver arames a sair-me duma mama seja uma visão um bocado marada. no final foram todos arrumadinhos, e tapadinhos, e não se via nem sentia nada. mas não podia mexer-me muito, não fosse aquilo sair do lugar.

entretanto fui devolvida para o quarto.

a cirurgia estava marcada prás 10h30. foram-me buscar para a sala de transfer do bloco operatório seriam dez e pouco. eu, que tava meio adormecida por causa das drogas boas que me tinham dado de pequeno-almoço, acabei por arrochar e só acordei quando os enfermeiros me foram buscar para a cirurgia. era meio dia. não dei por nada. also, ninguém se calava com o dia da isa lol

eh agora crl!! vou entrar numa sala de cirurgia, e vou levar anestesia geral pela primeira vez na vida. será que vou acordar a meio da cirurgia? ou fazer uma mija sem dar conta? será que vou acordar toda grogue da anestesia e desatar a dizer coisas parvas, e depois não me vou lembrar de nada? o meu único receio era mandar uns piropos bem labregos ao enfermeiro jeitoso que fazia parte da equipa. mas se mandasse, bom.. quem fala a verdade não merece castigo, né? muhahahah

lembro-me de ter reclamado que a marquesa era desconfortável. lembro-me que a sala estava gelada, e não parecia ser um sitio particularmente interessante para trabalhar. e que haviam várias de pessoas atarefadas à minha volta. entretanto apareceu a cirurgiã (a minha médica de senologia) e perguntou-me se estava pronta praquilo, depois o cirurgião plástico, que deu-me um afago no ombro e disse que ia correr tudo bem, depois a médica de anestesia disse para pensar em coisas boas. e eu, whaaa… puf, já foste!

nem deu tempo a pensar em nada, bah..

acordei às duas da tarde, no recobro, com o homem ao meu lado. yay, I’M ALIVE!!

mas... nada de moca esquisita por causa da anestesia, só uma pedrada de sono tão grande que mal conseguia manter os olhos abertos. entretanto devo ter fechado os olhos outra vez, e quando os voltei a abrir, estava de volta ao quarto. reparei que não estava vestida com a bata descartável com que entrei prá cirurgia, algures durante a moca, trocaram-me as vestes, para umas mais confortáveis. foooooonix, ainda bem que fui iluminada com a ideia de ir à depilação uns dias antes!! 

foi um entra e sai naquele quarto a tarde toda, entre médicos, enfermeiras, e visitas, que eram raros os momentos que conseguia descansar. tive alta no mesmo dia, mas como estava super zonza, e nunca mais conseguia ficar decentemente acordada e com energia para me por a mexer, acabei por ficar uma segunda noite. foi fixe para meter os sonos em dia, depois de tantas noites de insónia seguidas. dores devido à cirurgia, não as tive.



1 arpão é uma técnica utilizada para localizar as lesões que não são palpáveis, e serve para guiar o cirurgião até ao local da área a remover. é um fio metálico muito fino, introduzido através de uma agulha posicionada na direcção da lesão. a ponta do fio em arpão mantém-no fixo no local onde é colocado. o procedimento é feito sob anestesia local, pouco antes da cirurgia, e o fio será retirado durante a cirurgia. ler mais sobre o arpão em português / inglês

2 esterotaxia é uma técnica que utiliza um sistema de coordenadas tridimensionais, para localizar com precisão alvos pequenos dentro do corpo, que necessitem de intervenção médica. no caso das biópsias e colocação do arpão na mama, é utilizado o mamógrafo.

Contar ou não contar?

Junho 03, 2019

eis a questão.

a palavra "cancro" pesa duas toneladas, e não interessa se é grave ou não, que o peso é o mesmo em cima de quem a ouve.

[cada um sabe o que é melhor para si, mas eu] perante um tipo de doença curável e sem necessidade de tratamentos agressivos, sem perder o cabelo ou ficar com sequelas físicas, não tinha vontade nenhuma de andar a preocupar as pessoas sem motivos para tal.

por isso mesmo, poucos ficaram a saber. apenas aqueles que nas duas semanas anteriores assistiram aos meus ataques de pânico, a minha sis e alguns colegas, e os colegas com que trabalhava directamente, visto que as minhas ausências iam começar a ser frequentes nos próximos tempos, por causa das consultas, exames, e tratamentos. uma das minhas grandes preocupações desde o primeiro momento, era o trabalho que não ia conseguir fazer, e os colegas que ia deixar pendurados. e aqui tenho que fazer uma menção honrosa ao meu boss, que foi excepcional não só a gerir o estrago das minhas ausências forçadas, como o apoio que me deu. fez uma diferença enorme nesta história toda.

até ter a certeza absoluta da rebaldaria que ia dentro da minha mama esquerda, e como ia decorrer o processo todo, não quis dizer nada a quem eu sabia que ia custar mais, os meus pais. não queria correr o risco de dizer umas coisas, e afinal eram outras, e que ia ser assim, mas depois já não ia. então esperei até ao momento em que não restavam dúvidas.

"olha mãe, este fim de semana não posso ir aí abaixo festejar o teu aniversário, porque tenho uma cirurgia marcada para tirar uma cena da mama, e não posso correr o risco de ficar doente". a sério, ninguém merece, muito menos a nossa mãe.. foi a notícia mais merdosa que já tive que dar a alguém..

apesar de nunca ter usado a palavra "C", de ter assegurado várias vezes durante o telefonema que não era mesmo nada de especial, era perfeitamente curável, que tinha uma equipa impecável a tratar de mim, e que não queria ninguém preocupado, é óbvio que eles não reagiram bem à notícia. quase preferia não ter contado, tinha-lhes poupado ao choque, que nem consigo imaginar que seja para uma mãe e um pai ouvir uma merda destas...

e é aqui que se levanta uma questão bastante ingrata, para ambos os lados..

nós, que estamos a viver a doença na primeira pessoa, não basta já as mil e uma preocupações que temos na cabeça, como ainda temos que andar a gerir as emoções dos outros. quase que ficamos com sentimentos de culpa, por estarmos a causar angústia e sofrimento às pessoas que nos são mais próximas.. por isso mesmo, e ainda que pareça frio da minha parte, aqui tenho que ser absolutamente racional: o meu foco tem que estar exclusivamente na minha recuperação, não posso estar preocupada com aquilo que possas estar a sentir..

compreendo que não seja uma coisa muito fácil de aceitar e meter em prática, mas manifestações de pena e desgosto é a última coisa que precisamos neste momento. ou pelo menos foi o que eu senti.

'Le me

tem idade suficiente para ter juízo, embora nem sempre pareça. algarvia desertora, plantou-se algures na capital, e vive há uma eternidade com um gajo que conheceu pelo mIRC.

no início da vida adulta foi possuída pelo espírito da internet e entregou-lhe o corpo a alma de mão beijada. é geek até à raiz do último cabelo e orgulha-se disso.

offline gosta muito de passear por aí, tirar fotografias, ver séries e filmes, e (sempre que a preguiça não a impede) gosta praticar exercício físico.

mantém uma pequena bucket list de coisas que gostava de fazer nos entretantos.

'Le liwl

era uma vez um blog cor-de-rosa que nasceu na manhã de 16 de janeiro, no longínquo ano de 2003, numa altura em que os blogs eram apenas registos pessoais, sem pretensões de coisa alguma. e assim se tem mantido.

muitas são as fases pelas quais tem passado, ao sabor dos humores da sua autora. para os mais curiosos, aqui ficam screenshots das versões anteriores:
#12   #11   #10   #9   #8   #6   #5   #4

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