Let's get this party started
Maio 20, 2019
[ continuação desta manhã ]
assim que a s. (gestora oncológica) leu o relatório da biópsia, pegou no telefone e fez uma chamada que desencadeou um processo tão rápido que ainda hoje não parou de me surpreender. e o meu caso nem parecia ser nada por aí além. imagino que se fosse grave, teria levado um terço do tempo que levou. é impressionante ver uma equipa tão bem orquestrada, e tão empenhada em nos tratar da saúde.
dez minutos depois estava sentada diante uma médica especialista em senologia. examinou-me minuciosamente, e fez-me um interrogatório gigante sobre o meu historial de saúde. comecei a ouvir a falar em cirurgia (EEEEEK!!), quando ainda estava presa no loop "como é que arranjei esta merda?", ao que ela às tantas responde, de forma bastante honesta que,
"teve azar"
oh well... depois fiquei presa noutro loop, igualmente impossível de responder, "tão mas se encontraram este, quem é que me garante que não tenho, ou vou ter mais?”.
apesar da médica me assegurar a cada 2 minutos que o meu cancro estava sossegadinho no seu lugar, que para já não ia a lado nenhum, porque ainda não tinha adquirido a capacidade de se tornar invasivo, e que não ia precisar de fazer quimioterapia, eu não estava muito convencida... sei lá se durante a cirurgia não encontram mais qualquer coisa manhosa, ou o relatório da patologia traz más noticias? eu sou como s. tomé, preciso de ver para crer!
às tantas prestei atenção à folha de requisição de consultas e exames que ela estava a preencher, e deixei-me de loops quando li “psiquiatria” na lista. aproveitei logo para cravar uma consulta, se não a ansiedade matava-me primeiro que qualquer facção de células rebeldes a conspirar para me invadir o corpo. a médica achou muito bem.
depois veio a conversa da preservação de fertilidade1, pois existe um programa gratuito para doentes oncológicos. muito agradecida mas, "não vai ser necessário". se aos 38 não penso ter filhos, aos 44 ou 45 muito menos.. ocorreu-me algo que já vi relatado por algumas mulheres que não queriam ser mães, mas que quando surge uma situação em que de repente se vêm privadas dessa possibilidade, mudam de ideias. eu não mudei.
voltei ao gabinete da gestora com uma batelada de consultas e exames para marcar, e análises para fazer. ela tratou rapidamente de marcar aquilo tudo, e na mesma altura fiz logo o RX ao tórax, o ECG, e as análises. fiquei de descobrir se podia fazer a ressonância magnética, por causa da ponte dentária. ia ser o meu trabalho de casa durante aquela tarde.
aquilo era informação a voar por todos os lados, e eu a apanhar do ar... VÁ LÁ que o homem estava comigo e tomou as rédeas da situação. começou a anotar tudo e mais alguma, e a fazer checklists para que não escapasse nada. ainda guardo com muito carinho a nota que ele criou no google keep.
e numa manhã, o meu futuro a curto prazo estava traçado.
agora, descobrir se o material da ponte que tenho cravada na dentadura interfere com a máquina da ressonância magnética!
ao início da tarde estava a fazer chamadas para o consultório do dentista onde há 23 anos instalei a dita, a ver se por um milagre ainda tinham o meu processo. como seria de esperar, tal coisa já não existia, mas deram-me algumas informações que foram úteis na minha demanda. próximo passo, tentar falar com o laboratório de próteses que ainda estava no activo. telefonei para o sitio errado, mas apanhei um técnico que me disse que também fizeram muitas pontes para o meu dentista, e de acordo com a minha descrição, disse-me quais eram os materiais que certamente teria na boca. bom, a busca terminou ao fim da tarde, com a minha sis a ir ao laboratório do técnico que fez a minha ponte, mas também não havia ficha. e o dentista, ficamos a saber, mudou-se para outras paragens e teria levado tudo com ele. dead end!
entretanto tínhamos ido à clínica dentária onde o homem costuma ir, ver se algum dos dentistas me conseguia safar a coisa. fui atendida por uma dentista muito atenciosa e competente, que apesar de não conseguir responder à minha dúvida sem tirar a ponte para fora (nem pensar lol), reparou naquele desgraçado que me inchou a cara no ano passado (ah poizé! a isa não tinha chegado a tratar do assunto), e avisou-me que não era grande ideia iniciar tratamentos oncológicos com problemas nos dentes.. ops!
quando finalmente regressamos a casa, depois de um dia de emoções tão intensas, correias loucas, hospitais, dentistas, e telefonemas a dar cum'pau, estava de rastos.
a parte chata era que, sem nada que me ocupasse a mente, não parava de cismar "não estou a sonhar, esta merda tá mesmo a acontecer".. tava difícil de assentar, a ideia..
1 a preservação de fertilidade é um direito geral oferecido pelo SNS a todos os doentes oncológicos em idade reprodutiva, que corram o risco de infertilidade devido à doença ou aos tratamentos oncológicos. se o doente desejar ter filhos, deve falar com o médico sobre esta questão, de modo a ser rapidamente encaminhado para um centro de reprodução assistida. este processo deve acontecer antes de se iniciar qualquer tratamento oncológico.